É incrível o quanto de natureza e de diversidade conseguem caber em quase 5000km de faixa costeira. De San Pedro de Atacama até Punta Arenas, o mais fascinante do Chile é a sua variedade de território e as sensações que estes nos despertam.
É difícil de enumerar tudo que o engloba sem parecer que estamos a falar de partes opostas do globo: Atacama: o deserto mais árido do mundo, poeirento, indígena, Inca; Santiago: colonial, metropolitana, charmosa; Valparaíso: costeira, artística, jovem; O sul, verde, mágico, europeu; a Patagónia, selvagem, extraterrestre e envolvente.

Reserva Nacional Los Flamencos (créditos: Miguel Neves)
O Chile é sentir e abraçar esta diversidade como um todo, correndo o risco de sofrer uma overdose sensorial a qualquer momento. E isso não é uma coisa má. Pelo contrário, é essa sensação que nos enriquece e nos faz sentir vivos, embora possa não fazer sentido imediatamente, essa sensação perdura dias, meses e anos após a nossa ida. Sim, o Chile desperta-nos isso tudo, tão bem ou melhor que outros destinos no mesmo continente.
Mas de todo um caleidoscópio paisagístico, onde a escolha de “por onde começar“ impõe um desafio digno de um livro de sudoku para jogadores avançados, o que talvez se apresente como mais introdutório ao país de Pablo Neruda seja a região do Deserto de Atacama.
Há algo acerca de Atacama que é incomparável. Não consigo precisar o quê, é de facto preciso lá estar e descobrir por nós mesmos que neste local, o deserto mais árido do planeta, reside uma mística rara que nos provoca sensações e experiências tão distintas quanto os sítios que Atacama reserva para nós.

Lagunas Micanti e Miñiques (créditos: Miguel Neves)
É perder o fôlego a 4100 metros de altitude nas Lagunas Miscanti y Miñiques, as lagoas de altitude do altiplano chileno, e tentar decifrar de onde surge um azul tão profundo no meio deste cenário emoldurado pela cordilheira andina, onde as vicuñas pastam e se passeiam, ignorando-nos, simples transeuntes no seu reino.

Geisers de El Tatio (créditos: Miguel Neves)
É andar pelos campos de geiseres em El Tatio, os terceiros mais altos do planeta, e deixar o odor a enxofre das colunas de fumo, que escapam da crosta terrestre, inundar o nosso olfato para nos darmos conta do quão próximo estamos da Mãe Terra primordial, a que nos gerou e que esculpiu esta paisagem onde a puna, ou matagal da montanha, pinta as planícies e as ladeiras que ascendem aos vários picos do Altiplano.

Valle la Luna (créditos: Miguel Neves)
É sentir que num sítio com o nome Vale da Morte e Vale da Lua exista tanta vida soprada pelo vento e pelo correr das águas que gravaram nas rochas o testemunho da sua passagem ao longo dos séculos, criando obras de arte por toda a paisagem do deserto, obrigando-nos a refletir sobre como nós, seres humanos, somos apenas um momento no tempo, quando comparados a esta paisagem milenar.

Lagunas Escondidas (créditos: Miguel Neves)
É mergulhar, entre risos e reviravoltas, enquanto tentamos tocar no fundo de uma das Lagunas Escondidas, lutando contra a água salgada que teima em nos deixar à tona, fazendo todo um espetáculo de acrobacias diante todos os nossos amigos que por sua vez tentam limpar a espessa camada de sal que os cobre após secarem.
É saber que nos encontramos num dos melhores sítios do planeta para observar o cosmos, e que seria uma loucura não embarcar numa das muitas visitas astronómicas preparadas para nós em San Pedro de Atacama para explorar os céus do hemisfério sul através do visor de um telescópio apontado à imensidão da Via Láctea.
É muito para absorver. É a sensação de regressarmos de um passeio tão cheios de vida que parece que vamos explodir.

San Pedro de Atacama (créditos: Miguel Neves)
É possível que regressar a San Pedro de San Pedro de Atacama nos faça descer à terra por momentos depois deste turbilhão de sensações. Andar nas suas ruas é um misto de reconforto ocidental, com abundância de restaurantes e cafés para todos os gostos, mas também de um encontro com a cultura atacameña através um passeio pelas ruas de terra batida onde as casas em adobe enfeitam as vias públicas de cada lado, ou ainda com uma visita ao mercado tradicional de San Pedro, onde o artesanato e as mantas típicas do norte do Chile reinam em cada uma das banquinhas e prendem os olhos dos viajantes com as suas cores e texturas.
Mas talvez nenhum sítio em San Pedro testemunhe tão bem a passagem dos séculos pelo Atacama, como no Museu Arqueológico Gustavo Le Paige, fundado pelo padre Jesuíta com o mesmo nome que aí se instalou em meados do século passado e que foi personagem fundamental para o desenvolvimento desta comunidade durante o século XX. Ainda para quem não vibra com história e arqueologia, não deixa de ser um lugar que acorda o antropólogo e arqueólogo que há em nós. Desde a história dos povos originários do Atacama à herança dos Incas, e passando pelas espécies nativas de animais até à descrição detalhada da flora local, existe neste complexo toda uma arca de conhecimento que vale a pena abrir para melhor compreendermos o lugar onde nos encontramos.

San Pedro de Atacama (créditos: Miguel Neves)
Mas não só de cultura e história se faz San Pedro de Atacama. Parar é importante, descansar é importante, sentarmo-nos num café para trocar impressões com outros viajantes é importante. É também importante que, quando o façamos, tenhamos um copo de Pisco Sour na mão, a tradicional bebida chilena feita a partir de aguardente de Pisco, ovos e limão, que desbloqueia conversas, mata a sede e cujo sabor tem uma estranha maneira de ficar registado permanentemente naquela biblioteca de sabores que existe algures no nosso cérebro.
E que seja dessa maneira que terminemos as nossas viagens: de copo na mão, numa terra que nos tocou, em companhia de quem nos conhece melhor ou rodeados por estranhos que temporariamente se convertem em nossa família e que irão ajudar a engrandecer a nossa visão do que que é viajar.
No caso específico de Atacama, esta partilha reserva algo de especial a quem se atreve a ir e se entrega abertamente à experiência do deserto, e embora todos o iremos sentir de maneira diferente, a reação a esta parte do continente sul-americano parece ter uma coisa em comum: que tudo o que se estende diante de nós é especial, único e igual a nenhum outro sítio à face da Terra ou ser.
Segue as aventuras do Miguel Neves em @thedeserts
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