Filipe Morato Gomes é o blogger por detrás do conhecido Alma de Viajante, que teve o seu início em 2001. No site, uma referência para muitos aventureiros portugueses, podes encontrar crónicas e dicas de viagem dedicadas aos mais variados locais nos quatro cantos do mundo.
Conversámos sobre o início do blog, o trabalho que este exige e muito mais!
The Wanderlust: Comecemos pelo Alma de Viajante, que conta com quase 20 anos, como surgiu a vontade de partilhar as tuas viagens através de um blog?
Filipe Morato Gomes: Comecei a viajar muito novo, com os meus pais, mas os destinos eram sempre muito próximos e o orçamento reduzido. Durante anos a fio, lembro-me também de ouvir histórias de viagem da boca do meu avô, episódios originários do transiberiano, das estepes mongóis, da Amazónia brasileira, enfim, dos quatro cantos do mundo. E talvez tudo isso me tenha despertado a curiosidade.
Depois comecei a viajar por conta própria, mas o embrião daquilo que viria a ser o Alma de Viajante nasceu apenas em 2001, tinha eu 30 anos. É curioso reler o que escrevi na homepage da primeira versão do Alma de Viajante:
“VIAJAR é um prazer, ESCREVER é um estado de alma, FOTOGRAFAR é uma paixão. Juntos, os três verbos formam a Alma de Viajante e este é o seu recanto na rede global. O recanto onde se junta a paixão de fotografar pessoas, culturas e lugares, a sede de escrever sobre tudo e sobre nada e a magia de descobrir o que o imenso planeta tem de belo e diferente.”
Hoje, e apesar de entretanto o Alma de Viajante se ter tornado no meu trabalho, a essência é exatamente a mesma. Tanto posso escrever textos úteis tipo onde ficar em Lisboa e sugestão de um roteiro em Portugal para os leitores brasileiros, como posts inspiracionais sobre viajar sozinho, mas a essência é a mesma – e está plasmada na assinatura que hoje utilizo: “Viajar. Partilhar. Inspirar.”!
Entre as histórias mais conhecidas e apresentadas no blog estão duas voltas ao mundo. Uma de 14 meses, em 2004, e outra de 10 meses, em 2012, já com a tua filha mais velha. Quais os maiores desafios de cada uma destas aventuras?
Na verdade, o mais difícil é tomar a decisão de ir. Viajar é muito mais fácil do que parece – basta desligar o botão “complicador” que todos temos dentro de nós.
Dito isto, julgo que, no caso da viagem com filhos pequenos, o maior desafio é mesmo aprender a lidar com a frustração. Ou seja, é preciso ajustar as expectativas e interiorizar a ideia de que, viajando com filhos pequenos, não se consegue fazer tudo o que se gostaria. Porque a sua resistência é menor, porque às vezes vão fazer birras, ou porque noutras vezes vão querer simplesmente ficar em “casa” a brincar. E tudo isso é normal.

São Jorge, Açores (Créditos: Filipe Morato Gomes)
E pensas repetir esta experiência, agora com duas crianças?
Sim, mas por questões de disponibilidade de tempo deles, e porque de momento não penso fazer homeschooling, teria de ser nas férias de verão. Aliás, iria passar todas as férias escolares de 2020 na Indonésia, com eles – com passagem por Sulawesi, ilhas Togean, Flores, Lombok e Bali -, para o mais pequeno poder ter uma experiência semelhante à da irmã (embora mais curta). Mas os planos saíram furados…
É também recorrente aventurares-te a solo, qual o primeiro país que exploraste sozinho?
Não me recordo qual o primeiro país onde estive sozinho, mas a primeira experiência mais marcante que me recordo de viver, como viajante solitário, foi durante o primeiro mês que passei na Mongólia, outra das minhas paixões. Julgo que foi aí, na vastidão das estepes mongóis, que comecei verdadeiramente a apreciar viajar sem companhia.
Um dos destinos a que mais vezes regressaste é o Irão. O fascínio com o país tem a ver com a ideia transmitida no ocidente e o contraste com a realidade?
Sim, estive 21 vezes no Irão, a maioria das quais como líder de viagens. É certo que é um dos países onde as ideias pré-concebidas e a realidade estão mais distantes, mas o meu fascínio pelo Irão tem principalmente a ver com o seu povo. Já escrevi que considero o povo iraniano o mais hospitaleiro do mundo (entre aqueles que eu já conheci, naturalmente) e, por isso, regressar é sempre um prazer. Até porque fui fazendo muitos amigos por lá, e isso torna as experiências de viagens ainda mais ricas.

Isfahan, Irão (Créditos: Filipe Morato Gomes)
Para além do teu blog, já trabalhaste como líder de viagens. A verdade é que são duas ocupações muito romantizadas nos dias de hoje, mas como é realmente trabalhar nestas áreas?
Gerir um blog é um trabalho interminável e muito exigente. Em tempos escrevi um guia sobre como criar um blog de viagens que, por si só, já mostra um pouco da complexidade da tarefa, mas é depois desses primeiros passos que tudo se complica. É preciso juntar na mesma pessoa profissões tão diversas como fotógrafo, jornalista, designer, gestor de redes sociais, gestor de marketing, especialista em SEO, gestor comercial e por aí fora. Na verdade, trabalho muito, muito mais do que quando tinha um emprego “normal”. Dito isto, não trocava a liberdade que este trabalho me proporciona por nenhum outro.
Quanto a ser líder de viagens, parei há um par de anos para me focar inteiramente no blog, mas é outro trabalho muitíssimo exigente. Implica organização, muita flexibilidade e jogo de cintura (eu chamo-lhe espírito de camaleão), muito sensibilidade e bom senso para gerir pessoas, e a capacidade de ser a voz de comando em que outras pessoas confiam em qualquer circunstância. Conheço grandes viajantes que nunca seriam bons líderes de viagens.
Imagino que tivesses planos para 2020 que ficaram adiados, mas já tens em mente as tuas próximas aventuras?
Sim, é verdade. Por causa da pandemia, cancelei viagens para Berlim, Sicília, Copenhaga e ilhas Faroé, Capadócia e a tal viagem à Indonésia. Foi um desalento, mas não adianta lamentar (sempre ouvi dizer que “o que não tem remédio, remediado está”). Neste momento, por precaução emocional, não tenho absolutamente nada marcado – até porque ninguém sabe quando será possível voltar a viajar novamente. Sim, é muito estranho olhar para o meu calendário de viagens e vê-lo totalmente em branco… mas por agora é mais sensato assim.

Jeddah, Arábia Saudita (Créditos: Filipe Morato Gomes)
Achas que, devido ao impacto da situação que estamos a viver, surgirá uma nova forma de viajar?
É certo que as pessoas voltarão a viajar, mas as coisas provavelmente serão muito diferentes. Por um lado, talvez os viajantes estejam mais alertas para o seu impacto no planeta (voando com menos frequência, por exemplo), e isso seria uma coisa boa. Talvez as cidades que enfrentam excesso de turismo e tenham demasiados apartamentos dedicados ao turismo encontrem um equilíbrio melhor, e isso também seria positivo.
Mas a minha principal preocupação, no entanto, está relacionada com a forma como as pessoas encaram os estrangeiros um pouco por todo o mundo. Para ser sincero, havendo em muitos países a percepção de que os estrangeiros são responsáveis pela pandemia, receio que a genuína hospitalidade desses povos seja substituída por olhares desconfiados e atitudes menos amigáveis – ou mesmo hostis. Espero estar enganado…
Podes seguir o trabalho do Filipe Morato Gomes aqui ou através das suas redes sociais.