José Ramos divide o seu tempo entre a medicina – em que trabalha como especialista na área da Psiquiatria – e a fotografia de paisagem. Já teve o seu trabalho editado em publicações como a National Geographic ou The Telegraph, realiza exposições, organiza workshops e visitas fotográficas em Portugal.
The Wanderlust: Dado que vens de uma área completamente diferente, com uma profissão que ainda exerces, como surgiu esta paixão pela fotografia?
José Ramos: Olá! Antes de mais quero agradecer muito o convite, é uma honra ter a oportunidade de falar do meu trabalho na The Wanderlust!
A fotografia terá surgido há cerca de 14 anos como o escape perfeito para a exigência constante do curso de Medicina. Sempre tive uma paixão intensa pela Natureza, e a vinda do Alentejo para Lisboa aos 18 anos para estudar Medicina, implicou um corte algo abrupto com os habituais passeios pelo mundo natural. A compra de uma máquina fotográfica digital surgiu entretanto como o pretexto perfeito para me re-conectar com a Natureza e, ao mesmo tempo, começar a partilhar imagens de paisagens que me diziam algo. Tendo em conta sempre tive dentro de mim a pulsão para a criação, anteriormente canalizada para a música, eis que a fotografia se vai instalando na minha vida como meio fluído de expressão, “oxigénio” e criatividade.
Através da tua colaboração com o projecto “On a Mission”, canalizaste parte da tua actividade para um maior componente de activismo. Porque decidiste fazê-lo?
Já muito antes de as alterações climáticas estarem (felizmente) na moda, tinha dentro de mim preocupações ambientais e de ética animal/alimentar. Se grande parte da minha carreira em fotografia foi ocupada com o desenvolvimento técnico, aperfeiçoamento e conhecimento de novos lugares, também sempre fiz questão de adicionar reflexões nas minhas imagens que muitas vezes versam sobre a relação entre o ser humano e o planeta que habita. Assim, no último ano achei que também era importante dar um contributo de forma mais concreta, pelo que aceitei o convite de me tornar um dos embaixadores do projecto de reflorestação On a Mission.

Fjadrárgljúfur, Islândia (Créditos: José Ramos)
A certa altura, decidiste juntar os dois mundos, fotografia e psiquiatria, com resultados muito positivos. Conta-nos um pouco sobre esse projecto.
Este foi um projecto extremamente estimulante e interessante. Na altura em que criei o projecto estava ainda a fazer a especialidade de Psiquiatria, e encontrava-me no estágio de Hospital de Dia de Psiquiatria.
O Hospital de Dia é um local onde estão pacientes com patologia mental grave, que não precisam de internamento a tempo inteiro, mas que também não estão bem o suficiente para serem apenas seguido em consulta. Este é um espaço onde se desenvolvem múltiplas actividades terapêuticas, pelo que num certo dia brotou em mim espontaneamente a questão sobre se seria possível aliar a Psiquiatria à Fotografia? Fui para casa a pensar nisto, e decidi fazer uma pesquisa bibliográfica online, pensando que iria encontrar pouca informação sobre o tema. Para minha surpresa encontrei imensas fontes bibliográficas, tomando conhecimento da existência de dezenas de terapeutas a usar a fotografia como catalisador na exploração psicoterapêutica com os pacientes. Enviei emails a estes terapeutas, inquirindo sobre a hipótese de fazer um projecto destes no Hospital de Dia, e recebi múltiplas respostas extremamente encorajadoras. Decidi então adquirir aquela que é considerada a “bíblia” da Terapia Fotográfica, um manual extenso que capacita os técnicos de saúde para montar os seus projectos no seu setting de trabalho.
Estavam assim reunidos os ingredientes para iniciar o projecto no Hospital de Dia, que teve início após obter autorização do coordenador do local e supervisão por parte da sua psicóloga. Criei vários módulos para os pacientes, inspirado nos trabalhos já feitos na área, dos quais queria destacar três. Num dos módulos pedi aos pacientes para trazerem as 10 fotos mais importantes que tinham em casa, as quais geraram depois diálogos fascinantes sobre as suas vidas. Noutro módulo fui eu próprio a fotografar os pacientes no Hospital de Dia, explorando depois as imagens obtidas para trabalhar aspectos relacionados com a auto-imagem, auto-estima, entre outros. Finalmente decorreu aquele que foi para mim o módulo mais fascinante, em que consegui que vários colegas me emprestassem máquinas digitais compactas, que entreguei aos pacientes para que as levassem para casa, e tirassem fotografias dos elementos mais importantes do seu quotidiano. As máquinas voltaram intactas, e os cartões de memória chegaram cheios de fotos muito interessantes, que permitiram conhecer melhor a vida “lá fora” dos pacientes.
Este projecto mostrou-me acima de tudo que as fotografias têm um poder incrível para ultrapassar defesas, que os pacientes muitas vezes usam para evitar mencionar conteúdos que despertam sofrimento, facilitando assim o diálogo e a expressão emocional. No que toca a mim, a descoberta deste poder das imagens aproximou-me ainda mais do acto de criação fotográfica, fazendo-me querer descobrir mais e mais sobre fotografia.
À parte deste trabalho, focas-te sobretudo em paisagens naturais. O que te levou a concentrar neste tipo de fotografia?
Gosto de muitos géneros de fotografia, mas é o estar em locais naturais e intensos, debaixo da uma luz cativante e memorável, que me deixa o coração a pulsar forte e me faz sentir uma testemunha privilegiada das criações únicas do nosso planeta. Existe algo de muito especial na fuga do ruído e do caos urbano, que nos fere e descaracteriza diariamente, e mergulhar num outro mundo ancestral, com um ritmo e cadência tão diferente, tão pleno de beleza em todos os recantos.

Ribeira da Janela, Madeira (Créditos: José Ramos)
Tens também uma grande presença em comunidades online, acreditas que hoje em dia esta é uma mais valia para jovens fotógrafos mostrarem o seu trabalho?
Não sei se lhe chamaria uma mais valia, já que a corrida aos números é algo que está a prejudicar seriamente a fruição da fotografia e o auto-conceito do próprio fotógrafo. Este é um caso paradigmático de “faca de dois gumes”. Sem dúvida que as comunidades online permitiram a muitos fotógrafos, eu incluído, fazer o seu trabalho chegar a um público que nunca existiria sem estas comunidades.
Por outro lado, por vezes perdemo-nos na torrente dos likes, restringimos as nossas imagens às preferências do público, e retiramos dignidade à fotografia, que merece ser apreciada num ecrã não-minúsculo, com tempo e disponibilidade mental e emocional.

Cais Palafítico da Carrasqueira, Comporta (Créditos: José Ramos)
Por último, que projetos e viagens tens planeados para o futuro?
No ano passado saí do Serviço Nacional de Saúde, para fazer apenas Psiquiatria no privado e dedicar mais tempo à fotografia. Assim sendo, os últimos 9 meses têm sido uma verdadeira montanha-russa de adaptação ao mundo freelancer, pelo que ainda nem planeei as viagens fotográficas deste ano. Em termos de projectos quero continuar a cimentar os tours fotográficos que estou a planear/realizar, continuar a colaborar com marcas, publicar em revistas de referência, publicar mais fotografia com mais assiduidade, e continuar sempre a aprender e aprimorar as minhas imagens.
Podes seguir o trabalho do José Ramos aqui ou através das suas redes sociais.