Ruben Vicente é um fotógrafo baseado em Lisboa, especializado em fotografia de viagem e natureza. Habitual colaborador da National Geographic Portugal, teve a oportunidade de ser orador no Exodus Aveiro Fest de 2019 e foi já nomeado para vários prémios internacionais.
Conversamos sobre a influência que viajar tem em si e no seu trabalho.
The Wanderlust: Qual foi a primeira viagem que te marcou?
Ruben Vicente: Tive várias viagens que de uma forma ou outra me marcaram. Nas vertentes que gosto de fotografar posso destacar duas “primeiras”. Em 2010 uma viagem à Islândia, onde durante metade do tempo fiz a minha primeira viagem a solo. Em 2011, a primeira viagem à Birmânia (Myanmar) onde senti mais fortemente o impacto cultural de experimentar uma realidade totalmente diferente da minha.

Mandalay, Myanmar (Créditos: Ruben Vicente)
Para além de trabalhares como fotógrafo tens um emprego fixo, como é conciliar tudo isto e ainda viajar?
Viajar e fotografar também acabam por ser uma certa forma de escape ao trabalho do dia a dia. O simples ato de planear as próximas viagens e projetos fotográficos dá-me imensa motivação. O mais complexo de conciliar é que os dias de férias são limitados e as ideias para fotografar são muito maiores que o tempo disponível. Por outro lado, sendo a fotografia algo que faço sobretudo para mim, não tenho que seguir critérios editoriais e posso dedicar-me a 100% aos temas e abordagens que mais têm que ver comigo.
Parte do teu trabalho explora a natureza e vida animal, as viagens ajudaram a desenvolver o teu interesse na conservação destes elementos?
O tema da natureza e vida selvagem surgiu em pequeno. Todos os meses fazia uma ou duas visitas ao Jardim Zoológico de Lisboa com a minha avó e daí nasceu o gosto pelos animais.
Já anos mais tarde, caminhadas na natureza foram algo que me começou a apaixonar cada vez mais, todo o sentido de liberdade, ar puro, os sons, os cheiros, e mesmo a simbiose com que o ser humano muitas vezes partilha com o mundo natural.
As viagens têm por vezes o seu efeito nostálgico, não só em perceber que algumas coisas que vemos e experienciamos poderão de existir ao longo do tempo mas também em abrir consciências no que realmente faz sentido preservar.
O interesse na conservação tem partido num misto do que vamos absorvendo e filtrando pelos media mas também pela experiência pessoal nalguns locais.

Macaco-japonês em águas termais. Nagano, Japão (Créditos: Ruben Vicente)
Por outro lado, há também um grande foco em pessoas e situações do quotidiano. É dos aspectos a que prestas mais atenção quando viajas?
Normalmente foco as minhas viagens ou em temas de natureza ou em temas mais culturais. Essas viagens são feitas geralmente sozinho, com a minha namorada, amigos ou no âmbito de algum workshop para aprofundar conhecimentos.
Ao longo do ano tento equilibrar as temáticas e ter uns dias mais dedicados a natureza e outros a temas culturais. Nesta última temática, interesso-me sobretudo pelo dia-a-dia e as vivências das pessoas, desde os mercados, o modo de viver, as suas ocupações e tradições, até ao ambiente e entorno em que vivem. Sobretudo, o que os torna únicos.

Paris, França (Créditos: Ruben Vicente)
O teu projeto Soviet Chronicles demonstra a realidade de uma Arménia pós União Soviética, com ênfase nas pessoas e muitos edifícios planeados que nunca foram concluídos. Conta-nos como surgiu a ideia de retratar esta região.
Em 2016 surgiu a oportunidade de fazer um workshop de fotojornalismo com um dos fundadores da agência VII e vencedor do World Press Photo de 2014, John Stanmeyer. A ideia seria escolher uma história para ser trabalhada ao longo de vários dias, de forma autónoma, com um fixer que me ajudasse na comunicação e acessos por vezes mais restritos, culminando numa apresentação final e emulando o que normalmente se faz ao mostrar o resultado dum projecto aos editores da National Geographic.
Após alguma investigação e leitura sobre a história e cultura Armena propus esta temática devido a se enquadrar melhor com as minhas motivações, interesses e percurso fotográfico. Uma das grandes influências que tive nesta temática foi o excelente trabalho Satellites do fotógrafo Jonas Bendiksen da agência Magnum. No entanto, quis desde o primeiro momento dar a minha perspectiva pessoal e colocar algo de mim e do que sentia dentro do projecto.
A partir daqui elaborei uma lista de temas que queria abordar e discuti as possibilidades com o John e o meu fixer, o Armen, que se desdobrou em contactos para conseguirmos alguns acessos tais como escolas em aldeias mais remotas, fábricas, e alguns veteranos sobreviventes da 2ª Guerra Mundial de forma a retratar essas memórias do período soviético, ainda muito presentes, da melhor forma possível.
Foi sem dúvida um projecto que me fez crescer imenso tanto a nível pessoal como fotográfico.

Foto inserida no projecto Soviet Chronicles (Créditos: Ruben Vicente)
Tens um estilo muito cru, sem grande pós-produção, de forma a mostrar a realidade como ela é. Qual a principal mensagem que tentas transmitir?
O nosso mundo é como é e não precisa de subtergúfios tecnológicos para passar uma mensagem visual.
Claro que tenho também alguns trabalhos mais abstractos, sobretudo em fotografia de natureza, mas não procuro alterar a realidade com recurso a pós-produção.
Para mim, o que realmente importa é a pré-produção, ou seja, toda a preparação antes de ir fotografar e a produção em si, o momento em que estamos a fotografar e temos que tomar as melhores decisões para comunicar da forma que desejamos.
Considero que mostrando as coisas como elas são será mais fácil chegar à audiência que quero. É também assim que me sinto como consumidor de fotografia.
Por último, já planeaste a tua próxima viagem?
Neste momento tenho uma viagem marcada a Roma em Maio de 2020 e estou a fazer alguma investigação para mais duas ou três ao longo do ano. Quero continuar a trabalhar na Península Ibérica porque sem dúvida somos privilegiados em termos tanto património natural e cultural incrivelmente interessante e de forma tão acessível. No entanto é provável que numa das viagens vá até fora da Europa para aprender mais um pouco, inspirar-me e crescer mais um bocadinho como ser humano.
A The Wanderlust agradece ao Ruben Vicente a disponibilidade.
Podes seguir o seu trabalho aqui ou através das redes sociais.