Quando em 2018 saí de Portugal, de mochila às costas rumo à Ásia, estava longe de imaginar que acabaria por experienciar 12 dias de silêncio num incrível retiro de meditação. No entanto, esta oportunidade acabou por surgir de forma inesperada.
Levava o trajecto meio preparado, mapas, vistos, leis e regras dos países no que toda a entrada e saídas. Acredito que se houver um estudo prévio para onde vamos e o que vamos fazer existe maior probabilidade de a viagem correr pelo melhor. E como boa viciada em viagens faço-o de uma forma automática.
Passado quase 1 mês de viagem estava em Luang Prabang, Laos. A cidade estava praticamente vazia de turistas e estávamos em plena época de chuvas. Numa rua sossegada e aconchegante encontrei um Café. Entrei e pedi um chá, porque embora o tempo fosse quente e húmido, a chuva caía com força lá fora. Na mesa ao lado duas senhoras, entre os seus cinquenta ou sessenta anos, falavam em Inglês. Eram estrangeiras tal como eu, mas não estavam de passagem.
Os meus ouvidos deram o alerta quando uma delas começou a dizer que falava também Português, Castelhano e Italiano. Instintivamente, meti-me literalmente na conversa delas. Não sei se é da idade, mas a conversa que tivemos nada teve a ver com a comum entre outros turistas de “Where are you from?”, ou “Where you go next?” Sabem quando as pessoas se cruzam no nosso caminho para nos guiarem para algum lado? Foi o que aconteceu. Bem, neste caso fui eu que me atravessei á frente delas, para levar um valente abanão de sabedoria.
Uma delas, passados poucos minutos de me conhecer, indicou-me o retiro Suan Mokkh. Sim, já tinha ouvido falar em retiros de meditação no filme da Julia Roberts “Comer, Orar e Amar” e nas aulas de Yoga. Mas no estudo prévio que fiz da minha viagem pela Ásia não me tinha ocorrido tal ideia. Pois bem, tinha uma semana e meia para chegar à Tailândia e apanhar o tal retiro que começaria na primeira semana de cada mês.

Chegada ao retiro Suan Mokkh com outras participantes. (Sou a segunda a contar da esquerda)
Chegada ao retiro Suan Mokkh
A imagem ao chegar a Suan Mokkh era como a que vemos nos filmes, uma entrada no paraíso. O verde da natureza, o silêncio, mulheres voluntárias com cabelo rapado e roupas largas e compridos, um nervoso miudinho de ter de dizer “estou aqui porque quero fazer o retiro”, que coisa estranha. Nas primeiras horas explicam-nos como tudo vai acontecer. Ficam-nos com o passaporte e todos os objectos de vício: telemóveis, câmaras, livros, relógios, tabaco, entre outros.
Os participantes mais veteranos informam-nos que o melhor é aproveitar estas primeiras horas para nos conhecermos, uma vez que os dias seguintes serão passados em silêncio. Mostram-nos onde serão as nossas celas, feitas de cimento sem luxos nem colchões, e com um tronco de bambu, que segundo eles faz melhor à saúde do nosso pescoço que a tradicional almofada.
Homens e mulheres são separados em duas áreas de dormitórios. A higiene pessoal é feita de Sari, um pano enrolado ao corpo que carece de grande habilidade nos primeiros dias para não o deixarmos cair na hora de nos levarmos e o papel higiénico é substituído por água. Água esta que vem das chuvas, é tratada, serve para bebermos e também para os voluntários tailandeses que estão na cozinha encarregues de nos prepararem a comida. As voluntárias femininas que estão responsáveis pelo grupo das mulheres, fazem-nos uma pequena pergunta: porque é que queremos estar ali? Somos aceites, pagamos 50$ para ajudas de custo e entregam-nos o diário de actividades.
Depois mostram-nos onde podemos ir buscar as almofadas para montarmos o nosso espaço de meditação. O espaço onde iríamos passar a maior parte do tempo nos próximos dias tinha apenas um telheiro, com areia da praia no chão e um espaço de madeira mais alto onde os monges se sentarão para falarem. Homens de um lado do recinto e mulheres do outro. Colocamos primeiro uma saca sobre a areia, e podemos escolher entre uma almofada normal ou uma cilíndrica.
Ao fim do dia, depois de nos instalarmos, temos então a primeira palestra guiada onde nos informam que a partir daquele momento devemos permanecer em silêncio meditativo.

O espaço onde decorriam as sessões de meditação.
Os primeiros dias são passados com cansaço. O sino toca às 4h15, com a finalidade de nos deslocarmos ao espaço de meditação. O escuro da natureza, faz alguns participantes darem gritos de pânico. E nos dias que se seguiram fomos vendo as almofadas desaparecerem da areia ficando apenas a marca de terem passado por lá. Fobia a aranhas, medo de serem picados por escorpiões ou mordidos por cobras. Ou medo de estarem com eles próprios. Com medo dos seus pensamentos ou vencidos pelos vícios do tabaco ou do telemóvel, alguns participantes desistiram.
Perto das 6 da manhã temos uma aula de Yoga para movimentar o corpo e torná-lo capaz de estar tantas horas sentados na mesma posição. Perto das 8h temos a nossa primeira refeição com base vegetariana. Seguido de uma pequena pausa para tarefas como varrer folhas, as áreas comuns, limpeza das casas de banho, entre outras. Para logo de seguida, ao som do sino voltar ao espaço de meditação.
Ao 12h tínhamos o nosso almoço, que se fazia sempre com um agradecimento prévio à comida e um dos voluntários lia uma reflexão que servia de mote para pensarmos enquanto comíamos em silêncio. Esta seria a última refeição sólida que teríamos, uma vez que ao fim do dia só teríamos disponível um chá, com leite vegetal e especiarias. Este lugar tão perfeito era ainda contemplado com umas Hot Springs. Uma água termal aquecida que servia de mote perfeito para relaxarmos os músculos ao fim do dia.

Águas termais onde podíamos relaxar ao fim do dia.
Assim passei 12 dias. Em silêncio há tempo para pensarmos na nossa vida toda. Lutarmos contra pensamentos menos bons e aprendermos a usar a linguagem corporal para expressar “Olá” quando nos cruzamos com outro participante. Na última sessão na sala de areia, o monge dá-nos a possibilidade de nos sentarmos na sua almofada e enfrentar a plateia de participantes para contarmos de onde somos, o que aprendemos e como foi a nossa experiência durante os últimos dias. É uma coisa tão simples , mas tão boa de se assistir. Tivemos tempo suficiente para pensarmos quem seriam aquelas pessoas que estavam ali a passar pela mesma experiência que nós. De onde vinham e porque motivo estariam ali. E agora íamos finalmente satisfazer a curiosidade durante aquele tempo.
Chegou ao fim, e aquilo que para alguns foi um sofrimento ou uma tortura tornou-se para outros num hábito bom. Quando nos foram entregues os nossos telemóveis, a maioria dos participantes não se queria conectar.
Aventura-te e ruma ao desconhecido com a The Wanderlust!