Dia de São Valentim. Foi nesta data “especial” que entrei no Vietname, sozinha. Na altura, tinha acabado de deixar o meu trabalho como professora de inglês em Phnom Pehn, no Camboja. Precisava de algo que me atirasse fora da minha rotina habitual, e que me fizesse apaixonar de novo pelas viagens e pelo meu “eu”.
Viajei muito lentamente: entrei de barco, pelo Mekong Delta, e depois de comprar uma mota acidentada – a minha querida Dora, a exploradora – viajei de Sul para Norte, uma analogia ao meu espírito de viajante, já que não só eu subia no mapa como também subia a minha autoestima e fé na humanidade.
Depois de quase três meses a viajar pelo Vietname, não foi difícil premiar este país como o nº1 dos países mais enriquecedores que tinha visitado até então, e o lugar mantém-se forte no top 3 (junto com a Mongólia e o Nepal). Escrever sobre o Vietname traz sempre um sorriso enquanto bato nas teclas, pois são inúmeras as experiências felizes que ali vivi. Como se compila e transcreve um sentimento de humanidade tão grande como este, num pequeno texto?
Comida
É fácil colocar a comida no top das memórias positivas do Vietname. O Vietname sempre foi reconhecido pela deliciosa comida de rua, mas ganhou o estatuto de estrelato depois do icónico episódio da série “Parts Unknown”, do já desaparecido Anthony Bourdain ter convidado Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, a comerem juntos um bún chả (noodles com porco) em Hanói. A “internet foi abaixo”, e hoje o pequeno “tasco” até eternizou o momento com um pequeno memorial.
Já neste ano, a Netflix lançou uma série chamada “Street Food”, que se foca em comida de rua Asiática, e Ho Chi Minh City brilha com pratos de caracóis, phở (sopa de noodles), cơm tấm (broken rice) e bánh mì, as famosas baguetes vietnamitas.
Já no Mekong Delta, uma viagem de barco pelos mercados flutuantes e a prova de iguarias frescas, ver como os produtos são feitos e manuseados, são uma delícia para os olhos e para o paladar!
Uma cultura que conta a história literalmente no prato, que sabe aproveitar a herança deixada por todos: franceses, americanos, khmers ou ingleses, sem mágoas, é um excelente retrato deste povo que tão bem sabe aproveitar o lado positivo de tudo!

Ingredientes para cozinhar crepes fritos
CÀ PHÊ ĐÁ – Do grão às cafeterias secretas
Para os amantes de café (como eu), o Vietname é um pequeno paraíso! Além de terem produção própria de grãos de café com um sabor muito peculiar, também a forma tradicional de o fazerem, com um filtro chamado de “phin”, à forma de o beberem (normalmente com leite condensado) e acima de tudo aos locais “secretos” onde se servem.
Ho Chi Minh City é a cidade onde se encontram mais destes cafés – muitos em edifícios devolutos ou abandonados, em andares altos ou pequenas ruelas de difícil acesso, são cafés contemporâneos que homenageiam a cultura do café a um patamar exclusivo. Mas também nas roulottes ou cafés de luxo em Hanói se idolatra esta bebida.
Um dos cafés mais memoráveis, para mim, foi o Cafe Pho Co, onde não só se bebe um excelente café com ovo (!!!) como também todo o sítio é incrível. Difícil de encontrar (a entrada é atravessando uma insuspeita loja de sedas), o local abre para o lago Hoan Kiem. O café com ovo é tradicional em Hanói, é normal portanto que não se encontre este café noutros lados do Vietname.

Cà Phê Trứng (café com ovo) no Café Pho Co, em Hanói.
Relacionado: Aventuras pelo Cà Phê de Hanói
Paisagens Incríveis
Do Mekong Delta a Mai Châu, das ilhas de Hạ Long Bay e Cát Bà às grutas de Phong Nha-Ke Bang, o Vietname é “wow” atrás de “wow”. A geografia complicada é uma maravilha para os olhos, o Norte bem diferente do Sul, a costa especial, o interior é incrível. Resumindo, onde quer que se vá no Vietname, é alimento quer para a alma quer para a vista!
A viagem interior acompanha a viagem física, já que vamos aprendendo o historial de guerra. Fortemente bombardeado durante a Guerra do Vietname, nas décadas de 50, 60 e 70, a geografia foi um trunfo bem jogado pelos vietnamitas e peça fundamental na vitória. Passados 40 anos do fim da guerra, é quase difícil imaginar que nestas grutas se construíam hospitais, escondiam helicópteros e armamentos, que as serpenteadas estradas confundiam o inimigo, que bombardeava este paraíso lindíssimo.
A maior gruta do mundo, Sơn Đoòng, foi descoberta apenas em 2009, quando alegadamente um turista se desviou da rota marcada para urinar, e acabou por descobrir a entrada daquela que é hoje a maior caverna do mundo. Dentro da caverna, está a “Grande Muralha do Vietname”, uma parede de estalagmites que atinge os 100m, uma delicia para quem gosta de explorar o desconhecido. O Vietname é como as matryoshkas russas: uma surpresa, com outra surpresa lá dentro, com outra surpresa lá dentro…

Explorando uma das maiores grutas do mundo, em Tú Làn.
A vida sobre rodas
Goste-se ou não, as motas e bicicletas são parte integral da cultura vietnamita. É inevitável fazer viagens em duas rodas! Nas grandes cidades onde encontramos apps de taxis como a Uber ou a Grab, podemos escolher táxis de quatro ou duas rodas. A grande maioria opta pelas duas rodas, pois com o trânsito infernal de Ho Chi Minh ou Hanói, a mesma distância pode ter tempos de viagem muito diferentes!
Já em Cần Thơ ou Hội An é difícil não andar de bicicleta… Com motor ou não, as duas rodas imperam pelo país inteiro. Quer se faça todo o percurso no país sobre rodas, ou só pequenos trajetos citadinos, estão por todo o lado. Vê-se com frequência motas com famílias inteiras em viagem, com atrelados, com produtos para venda no mercado, condutores de todas as idades, e de todos os tipos: locais, novos, idosos, estrangeiros, sozinhos ou (muito) acompanhados. É divertido de ver, assustador de experimentar ao início, e inesquecível depois de se fazer!
Outro clássico menos feliz, é ver os turistas com ligaduras a meia-perna: a falta de hábito ou de experiência é notória para quem se esquece do hábito da mota, e faz a clássica queimadura no tubo de escape. É uma questão de curar a lesão com creme, e guardar com carinho e algum humor esta “marca de guerra, made in Vietname”!

Com amigos “de estrada” em Huế
Amar e ser amado
A melhor memória que se traz do Vietname é o amor. O sorriso, hospitalidade, o espírito de um povo que muito lutou, mas que é vencedor. Um país que alberga mais de 54 minorias, um país que já foi dois, que já foi colónia, que já foi vítima. Um país que homenageia as mulheres, onde metade do partido Comunista tem uma voz feminina, mais de 11000 mulheres tiveram uma participação ativa e voluntária na Guerra, e foram uma peça fundamental na vitória, onde o 8 de Março é celebrado com pompa e circunstância.
Em todas as minhas paragens, ao longo dos mais de 3300kms que fiz de Vietname, fui recebida com sorrisos (muitas vezes desdentados e descomplicados), boa comida, café e humildade. O Vietname foi todo o curativo que eu precisava para a alma, e uma fé na humanidade quase renovada.
Se dúvidas existem sobre aqueles que ainda não foram ao Vietname, a única pergunta que se impõe é: do que é que estás à espera, para amar e ser amado?
Vê o vídeo da minha viagem pelo Vietname.

Sentirmo-nos amados pelo país porque nos apaixonámos
Já conheces o roteiro The Wanderlust no Vietname?
Descobre aqui!